O uso de plantas para o tratamento das moléstias humanas remonta aos primórdios da civilização. Os conhecimentos foram, nas tribos primitivas, sendo obtidos através de percepções dos efeitos de certas plantas e transmitidos de geração em geração. No antigo Egito são encontrados diversos manuscritos em papiro que registraram o uso de espécies da flora com finalidade medicinal. Já na Mesopotâmia, foi registrada em escrita cuneiforme, nas placas de barro pelos sumérios, a utilização de ervas, tais como o tomilho (Thymus vulgaris L.) e o ópio (Papaver somniferum L.). No Brasil, por sua vez, quando aqui chegaram os europeus, foram encontradas diversas espécies medicinais sendo vastamente utilizadas pelos povos indígenas, conhecimentos estes detidos pelos pajés e que eram transmitidos e aprimorados a cada geração (BEVILACQUA, 2010).
Devido à grande diversidade vegetal do território brasileiro muitas são as espécies medicinais encontradas, como as plantas do gênero Bauhinia, pertencentes à família Fabaceae, onde estão agrupadas as diferentes espécies popularmente conhecidas como pata-de-vaca, ou ainda, em algumas regiões, unhade-vaca, unha-de-boi ou bauínia.
Tradicionalmente, difundiu-se como medicamentosa Bauhinia forficata Link, que possui flores brancas, pétalas lineares (longas em comprimento e curtas em largura) e folhas com formato bem próximas às marcas deixadas pelas patas dos bovinos. Já nas regiões do Cerrado e Amazônia, a medicina popular registra o uso de Bauhinia rufa (Bong.) Steud. e Bauhinia guianensis Aubl., respectivamente.
De origem indiana, Bauhinia variegata L. é amplamente empregada no Brasil na arborização urbana, principalmente nas regiões sul e sudeste, devido ao seu potencial ornamental e tolerância à geadas (LORENZI et al., 2003). Tal predominância faz com que, durante muito tempo, a população venha confundindo as espécies e fazendo uso desta como medicinal, principalmente de Bauhinia variegata var. candida (Aiton) Buch.-Ham., que apresenta flores brancas, semelhantes às de B. forficata aos olhos de um leigo.
O potencial ornamental do gênero Bauhinia é reforçado ainda por outras espécies como: B. galpinii N.E. Br., B. tomentosa L., B. purpurea L. e Bauhinia x blakeana Dunn, sendo esta última, segundo Lau et al. (2005), um híbrido natural entre as espécies B. variegata e B. purpurea.
Estudos recentes, porém, vêm demonstrando que algumas espécies, até então consideradas apenas ornamentais, como B. tomentosa e B. purpurea, podem apresentar compostos potencialmente medicinais relacionadas às atividades microbianas (SILVA; CECHINEL FILHO, 2002).
Farmacologicamente, as patas-de-vaca são vastamente empregadas como: diurética, hipoglicemiante, tônica, adstringente, cicatrizante, anti-inflamatória, antialérgica e expectorante, tendo as flores ação laxativa suave (CARNEIRO et al., 2014). B. forficata é a espécie mais estudada como medicinal. O primeiro ensaio farmacológico dessa espécie é datado do início do século XX, resultado que já apontava para suas propriedades hipoglicêmicas (JULIANE, 1929). Dada sua ampla divulgação é considerada pelas comunidades rurais como a “pata-de-vaca-verdadeira” (SILVA; CECHINEL FILHO, 2002).
Vale ressaltar ainda que o uso dessa espécie combinado com outros medicamentos deve ser feito sob acompanhamento médico, uma vez que pode ocasionar hipoglicemia. Além disso, deve ser evitada por pessoas que apresentam distúrbios na coagulação sanguínea (LIMA, 2008).
Marques et al. (2012), através de análise qualitativa por cromatografia em camada delgada, evidenciaram também seu potencial antioxidante, enquanto Oliveira et al. (2005), por sua vez, verificaram que extratos aquosos de B. forficata são capazes de neutralizar a ação coagulante do veneno de jararacuçu (Bothrops jararacussu Lacerda) e cascavel-de-quatro-ventas (Crotalus durissus terrificus Laurenti).
No Brasil, o Ministério da Saúde expediu uma relação das Plantas Medicinais de Interesse ao SUS, onde é citado Bauhinia spp. (B. affinis, B. forficata ou B. variegata), fazendo, conforme dito anteriormente, confusões quanto às espécies do gênero para utilização medicinal. A regulamentação dos fitoterápicos é realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que por meio da Resolução da Diretoria Colegiada Nº 10, de 9 de março de 2010, não traz em sua lista de plantas medicinais reconhecidas as patas-de-vaca (espécies do gênero Bauhinia), mesmo que algumas tenham sido comprovadas cientificamente como medicinais. Embora ainda não regulamentada, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada Nº 26, de 13 de maio de 2014, em seu anexo I, a ANVISA traz uma lista das espécies que não podem ser utilizadas na composição de fitoterápicos, a qual, por sua vez, não inclui nenhuma das espécies aqui apresentadas.
Assim, o objetivo desse trabalho é oferecer informações botânicas dessas plantas, que se constituem de suma importância para a diferenciação das espécies visando seu uso correto. Além disso, dado o potencial medicinal e ornamental do gênero, serão abordados aspectos agronômicos extremamente pertinentes, uma vez que estes promovem estudos das estratégias de propagação das espécies e seu cultivo; quer sejam elas destinadas à arborização urbana ou no plantio em áreas externas a cultivos medicinais como “quebra-vento”.