Folhas e ervas antes consideradas pragas ou simplesmente mato têm despertado o interesse de pesquisadores e chefes de cozinha. As chamadas plantas alimentícias não convencionais (Pancs) já são objetos de estudo de cinco departamentos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), campus da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba (SP), segundo o chefe do setor de biologia, Flávio Bertin Gandara Mendes.

"Dentro da Esalq atualmente temos cinco departamentos envolvidos com pesquisas sobre Pancs que abordam questões como comercialização, cultivo, valor nutricional, uso medicinal e outras questões", diz o professor.

A sigla Panc foi criada pelo biólogo, doutor em agronomia, Valdely Kinupp, que escreveu em parceria com Harri Lorenzi, o livro "Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) no Brasil",  publicado pelo Instituto Plantarum de Nova Odessa (SP). Kinupp pesquisou por 12 anos sobre o assunto e catalogou 351 espécies.

“Ficamos trabalhando nesse livro de 2002 a 2014, mas foi a partir de 2008, que eu e a Irany Arteche adotamos esse acrônimo, porque achávamos que plantas alimentícia não convencionais era muito longo e precisava ser algo mais curto e sonoro, e deu certo. O termo tem se popularizado tanto que você chega em uma feira, em Belo Horizonte, e vê alguns agricultores utilizando”, comemora.

A maioria dessas plantas cresce facilmente em quintais, e áreas rurais. Elas são consideradas mato e muitas vezes são destruídas nas grandes propriedades rurais. No entanto, recentemente elas têm aparecido na cozinha de restaurantes como o Maní, da chef Helena Rizzo, em São Paulo, e o Bravíssimo, de Nova Odessa, que tem como chef Andrew Buschee, que colaborou com receitas que estão no livro de Kinupp.

Em Piracicaba, as proprietárias do espaço Casa Nômade, Fran Lodde e Caroline Perencine, que decidiram incluir pratos feitos com Pancs no cardápio do restaurante, garantem que têm obtido um bom resultado com a experiência.

"A gente procura formar o consumidor, explicar para ele o benefício de se consumir as Pancs e, às vezes, levá-los para fazer uma visita em lugares onde elas são cultivas. As pessoas acham que a alimentação Panc, integral e orgânica só é para quem está fazendo regime. Mas cada vez mais aumenta a procura,  principalmente de mães que procuram dar uma alimentação mais saudável para os filhos pequenos”, conta.

Velhas conhecidas

Fran e Caroline utilizam plantas fornecidas pela produtora rural Lourdes Aparecida de Fátima, que produz alimentos orgânicos e Pancs em um sítio de Piracicaba. Lourdes diz que tem aprendido muito com a dupla, mas que algumas das plantas classificadas como não convencionais são velhas conhecidas dela, já que antigamente era comum a presença delas nas refeições das famílias.

"Antigamente não tinha essa diferença. A gente consumia várias plantas que hoje são classificadas como Pancs, como a flor de abóbora, a serralha, catalonia, a ora-pro-nóbis e a taioba. O que aconteceu é que foram descobrindo que coisas que eram consideradas mato, a gente podia comer, como a tiririca. Eu até assustei quando falaram que eu podia comer tiririca”, confessa.

Resgate da boa alimentação

Valeria Godoy, cientista de alimentos formada pela USP de Piracicaba e parceira da Casa Nômade, diz que o interesse pelas Pancs representa um resgate da boa alimentação. "Era muito comum se ter uma horta em casa há alguns anos. Todo mundo produzia e tinha contato com a terra. Agora, quem diz o que é comestível é o supermercado. O que está na prateleira é o comestível. A gente parou de ter o contato direto com os alimentos."

"Pancs é um termo novo para um resgate do que é tradicional. E o que temos que fazer é aproveitar esse resgate e trabalhar a questão da soberania alimentar e do empoderamento alimentar. A gente tem que reconhecer o que dá para comer sem ficar dependendo do supermercado", opina Valeria.

A mesma opinião é compartilhada por Valdely, autor do livro sobre as Pancs. Filho de pequenos produtores rurais do interior do Rio de Janeiro, o biólogo diz  que as plantas eram fonte de alimento para a família.

"Desde criança, eu sempre comia no sítio que eu morava em Nova Friburgo. Conheci pelo meu pai, minha mãe e meus irmãos mais velhos. Vira e mexe eu ouço alguém dizer: 'Isso dá para comer'. Mas eram aquelas lendas do tipo 'dá para comer, mas ninguém come'. E eu sempre procurei tirar isso da retórica e trazer para panela. É mato porque não está no prato. A partir do momento que está no prato, é verdura, fruta e hortaliça", explica.

Estudo e dificuldades

Para estimular a produção e consumo, a USP de Piracicaba mantém grupos de estudos e realiza um trabalho com pequenos agricultores. Segundo o professor Flávio Bertin, um desses grupos é o Nheengatu , que é um núcleo de estudo de agroecologia que tem como um dos objetivos estudar o cultivo e produção das Pancs.

“Apesar da divulgação que o assunto tem ganhado, se alguém tiver interesse de consumir vai ter dificuldades para encontrar, já que o consumo e a venda são incipientes. Então, além de fazermos pesquisas, procuramos incentivar, por meio de núcleos de estudos e atividades de extensão universitária, a produção e a comercialização das Pancs”, explica.

Além de serem plantas de fácil produção, as Pancs se destacam pelo o valor nutricional e medicinal. De acordo com Valdely Kinupp, várias delas são eficazes no combate e prevenção de doenças. “Elas são ricas em substâncias como a rutina, que é um oxidante que tem ação anti-inflamatória. Tem plantas que são anticâncer de mama, então, se a mulher consome, ela tem grande chance de não desenvolver a doença”, ressalta.

Já a cientista de alimentos Valeria, além de desenvolve receitas, ela é uma estudiosa sobre a riqueza nutricional das Pancs. “São plantas muito nutritivas, como o caruru, que é uma excelente fonte de cálcio e de proteínas. A beldroega que é considerada praga, é rica em  ômega 3”, diz.

Cuidado no preparo

Os especialistas ouvidos pelo G1 são unânimes em dizer que, apesar dos inúmeros benefícios dessas plantas, é necessário tomar alguns cuidados ao prepará-las. “É como qualquer outro vegetal, precisa lavar ou até mesmo colocar em água quente antes de consumir. A taioba, por exemplo, precisa passar na água quente. Ela tem oxalato, que é uma substância que pode causar irritação na garganta”, explica Valeria.

Para Kinupp, mais importante que a atenção ao preparo é o consumo consciente dos alimentos. "Não é porque é uma Panc que não tem restrição. O segredo da alimentação é a diversificação. Tem ingredientes nutricionais que não existem em vegetais convencionais ou nos produtos industrializados, por isso é importante descobrir novas alternativas”, defende.

Hildeberto Jr.

Do G1 Piracicaba e Região

Dezembro 2, 2016
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Tapioca Panc é feita com pesto de caruru, planta considerada praga por agricultores (Foto: Hildeberto Jr./G1)

Antes 'praga', Pancs ganham espaço em restaurantes e pesquisas na USP