A recuperação de ecossistemas degradados é uma prática muito antiga, podendo-se encontrar exemplos de sua existência na história de diferentes povos, épocas e regiões (Rodrigues & Gandolfi, 2004), porém, só recentemente adquiriu o caráter de uma área de conhecimento, sendo denominada por alguns autores como Ecologia da Restauração (Palmer et. al., 1997). Incorporou conhecimentos sobre os processos envolvidos na dinâmica de formações naturais remanescentes, fazendo com que os programas de recuperação deixassem de ser mera aplicação de práticas agronômicas ou silviculturais de plantios de espécie perenes, visando apenas a reintrodução de espécies arbóreas numa dada área, para assumir a difícil tarefa de reconstrução das complexas interações da comunidade (Rodrigues & . Gandolfi, 2004). É a essa tarefa grandiosa de restauração da Mata Atlântica que o presente documento procura contribuir através do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica.
O esforço integrado de conservação e restauração da Mata Atlântica deve necessariamente passar por uma padronização e atualização do conhecimento científico e empírico acumulado nesses temas, incluindo uma contextualização temporal desse conhecimento e a sua tradução em ações específicas, mas sempre buscando o referencial teórico que sustentava a adoção dessas ações.
Nesse sentido, esse documento foi construído para sustentar as ações de restauração da Mata Atlântica, que deverão ser potencializadas com o esforço coletivo e integrado do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica através das organizações não governamentais, governos federal, estaduais e municipais, proprietários rurais, comunidades tradicionais, cooperativas, associações e empresas. De forma alguma o presente documento deve ser tomado como o ponto final da Ciência e prática da restauração florestal da Mata Atlântica. Serve como um ponto de partida para que, daqui a alguns anos, possa ser atualizado pelo avanço da Ecologia da Restauração e pelas lições a serem aprendidas com as ações do Pacto.
As ações de restauração englobadas nesse documento não se restringem às iniciativas de recuperação de áreas públicas degradadas. Também envolvem a preocupação com a recuperação das florestas nativas funcionais em áreas rurais, que inadequadamente foram ocupadas por atividades de produção agrícola no passado, pelo fato ou de serem situações protegidas na legislação ambiental brasileira (Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal) ou por serem áreas de baixa aptidão agrícola, com elevada vocação florestal. Dessa forma, as iniciativas de restauração focadas nesse documento visam a restauração da diversidade vegetal regional, tanto com o propósito da conservação dessa diversidade nas matas ciliares (Áreas de Preservação Permanente), nas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) e outras iniciativas de conservação, como implantação de reflorestamentos de espécies nativas visando algum tipo de produção florestal, mas em ambientes de elevada diversidade regional. Nessas últimas busca-se algum tipo de retorno econômico da restauração, como nas áreas alocadas como Reserva Legal e mesmo nas áreas agrícolas das propriedades, e, portanto, não protegidas na legislação ambiental, atualmente ocupadas com atividades de baixa sustentabilidade ambiental e econômica, tal como pastagens degradadas, que podem ser redefinidas para exploração florestal, pela possibilidade de maior retorno econômico, como a produção de espécies madeireiras, de espécies medicinais, de frutíferas nativas e meliferas, além de outros produtos florestais.
O conceito de restauração considerado nesse documento é aquele aplicado pela Society for Ecological Restoration International (SERI): "a ciência, prática e arte de assistir e manejar a recuperação da integridade ecol6gica dos ecossistemas, incluindo um nível mínimo de biodiversidade e de variabilidade na estrutura e funcionamento dos processos ecológicos, considerando-se seus valores ecológicos, econômicos e sociais". Vale destacar que será enfocado, nesse documento, a restauração dos processos ecológicos em ecossistemas florestais, que são responsáveis pela construção de uma floresta funcional e, portanto, sustentável e perpetuada no tempo, e não apenas a restauração de uma fisionomia florestal. Assim, busca-se garantir que a área não retomará à condição de degradada, se devidamente protegida e/ou manejada.
Esse documento foi elaborado em capítulos, sendo que o primeiro capítulo apresenta as principais iniciativas de restauração realizadas no Brasil, agrupadas em fases, por uma questão didática apenas. Essas fases visam agrupar essas iniciativas de acordo com as características das ações usadas na restauração dessas áreas, que logicamente são condizentes com o referencial teórico em que essas iniciativas foram concebidas. Esse referencial teórico usado na definição das ações de restauração se alicerça no conhecimento científico acumulado até aquele momento, sobre dinâmica de florestas tropicais e na experiência empírica desses praticantes de restauração, responsáveis pela elaboração de cada uma das iniciativas de restauração. No entanto, vale destacar que esse agrupamento em fases é apenas para facilitar o entendimento da evolução das ações de restauração, dado a grande complexidade de iniciativas de restauração e não necessariamente ter uma ordenação cronológica, além do fato de as iniciativas atuais poderem ser classificadas em qualquer uma dessas fases.
Os demais capítulos tratam de aspectos relacionados com a prática da restauração, desde a necessidade de diagnósticos e de adequação ambiental de propriedades rurais, o monitoramento de áreas restauradas, a avaliação de biomassa e de carbono em áreas restauradas, possíveis aproveitamentos econômicos de áreas restauradas e as atividades operacionais necessárias para efetivação da restauração.
ISBN: 978-85-60840-02-1